A casa como potência de encontros e trocas para todos.

 

A importância de se sentir em casa e de pertencer a um lugar vai além do pensar em fluxos, aconchego e estética: é criar um espaço com empatia e uma atenção maior à liberdade imaginária. Abrir A Casa de Todos, construída com crochês é um convite à partilha do habitar em conexões internas e externas da existência humana. Numa casa não se vive somente a rotina do dia a dia, mas o fio de uma história de proteção, imaginação e paz.

 

O arquétipo casa aparece com frequência na minha produção pictórica e sempre me senti  envolvida com as manualidades têxteis e os movimentos coletivos. Somos fios soltos que se  unem para ações maiores. Assim, para realizar esta casa uni artesãos do crochê, “Lucianas e  Marias” e artistas: Giovana Casagrande, Lisiani Serea, Claudia Lara, e Rafael Codognoto, que  se juntaram a mim para criar este local de intimidade compartilhada e, com agulhas e linhas,  ressignificar esta linguagem artística ancestral.

 

Jean-Luc Nancy nos diz que nossa existência é caracterizada pela convivência, ou melhor, é  definida ontologicamente pela convivência: expostos aos outros, junto com eles,  constituímos o que chamamos de espaços de compartilhamento enquanto nos constituímos  a nós mesmos. Estar no mundo é estar aberto às trocas, à possibilidade de expressão e de  contato, de partilha e de enfrentamento, de acordo e desentendimento, de estímulo e  afetação, de compreensão e de intolerância. A mobilidade, a transformação, a diferença e a  multiplicidade são elementos deste estar em convívio.

 

Pensamos o espaço não como algo dado, fixo e estável que iremos simplesmente ocupar,  pano de fundo para os eventos. Pensamos o espaço como a própria tecedura destes eventos  através dos encontros. O espaço é o contínuo fazer-se, sempre aberto aos cruzamentos e às  trajetórias diferentes que o constituem (MASSEY, 2008).

 

E nada mais convidativo que a estrutura de uma Casa, o lugar comum de abrigo, de refúgio do  corpo e da alma, onde se pode trocar experiências e em seu interior ouvir e criar histórias.  Assim, através das trocas em convívio ou execução de pequenos trabalhos do fazer manual,  ensinados aos seus visitantes, pausar a correria diária dentro da casa de crochês – quem sabe – despertar sonhos de lugares antes já habitados na memória de seus moradores transitórios.

 

Neste processo, a presença e a realidade dos que a habitam deixa vestígios que colaboram  para construirmos os novos tempos que chegam e onde as manualidades desempenharão  um importante papel de equilíbrio. Vamos transformar “A Casa de Todos” num território  onde o fazer artístico e as recordações afetivas possam encontrar morada. O espaço se abre  como encontro, como troca e, também, como suporte expressivo.

 

Sejam muito bem-vindos!

 

Leila Alberti

2023

 

 

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Falar sobre a minha colega de faculdade, amiga e parceira não é fácil. O que contar? Os percursos artísticos se entrelaçam com outras histórias: viagem ao Festival de Arte de Minas Gerais, idas a tantas exposições na época de faculdade; o reencontro na Itália, em Florença, para matar um pouco a saudade; a abertura do nosso atelier Gesto Pleno numa pequena casa de madeira; a chegada dos filhos; os bate-papos; as nossas experimentações em tecidos, suas investigações em papel artesanal – tudo me parece importante, intenso. O que contar?

 

Ao falar de Leila Alberti me recordo de uma história escrita por Jutta Bauer que se chama “A rainha das cores”. A rainha Coralina tinha como súditas três cores, cada qual com suas características próprias: o azul era suave e gentil, o vermelho forte e selvagem e o amarelo quente e claro. Mas as cores também se alteram, exaltam-se. A rainha Coralina não aceitou essas mudanças e começou a brigar com seus súditos. Quando viu, tudo estava cinza. Mas a tristeza e a saudade trouxeram os súditos de volta e todos brincaram até cansar... E o que tudo isto tem a ver com a artista Leila Alberti? É o seu envolvimento com as cores. Já na época de faculdade percebíamos, colegas e professores, o quanto ela sabia dialogar com as tintas, suas cores e nuances. Estas obedeciam às suas ordens e se misturavam com harmonia, tornando o trabalho único e maduro. Isto mesmo, em cada pincelada era perceptível a maturidade, o discernimento e a ousadia da artista Leila.

 

Os anos passaram, os trabalhos multiplicaram e hoje tento dirigir um facho de luz mais demorado em suas produções. Vejo as formas criando um grande caleidoscópio de imagens, uma ciranda artística. As cores andam em grupos: magenta, cian e amarelo de mãos dadas com seus familiares, contracenando com seus amigos do hemisfério oposto para repartir espaços nas luzes, sombras e ângulos das composições. As palavras reivindicam o posto de signos: querem ser bandeiras, códigos, mensagens visuais repletas de significados. Aos poucos brotam as flores: algumas viçosas e alegres, outras tímidas e transparentes, mas todas felizes com suas semelhanças e diferenças. Esta ciranda não para, gira em círculos procurando novos núcleos. Os componentes trocam de lugar, outros chegam e se inicia uma nova história. Tudo isto me fascina, pois no centro – regendo, compondo e inovando os elementos/personagens – está “a rainha das cores” Leila Alberti. Parabéns colega e amiga, pelo final feliz que vejo nos seus trabalhos!

 

Sônia Tramujas Vasconcellos
Professora de Artes Visuais FAP

2003

 

 

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Leila Alberti faz seu trabalho para o mundo no bairro de Santa Quitéria. Há vinte e oito anos a roubamos de Santa Catarina, quando ela chegou a Curitiba, aos dezoito, para estudar na Escola de Belas Artes.

 

"Vivi minha primeira infância em uma pequena cidade no 'oeste bravio' de Santa Catarina. Muitos irmãos e uma natureza exuberante a nosso dispor. Mas, dentro de casa, havia muitos livros de minha mãe professora e de meu pai tabelião."

 

Leila conta a sua história de vida e arte com sensibilidade e graça de escritora. Por isso é melhor que ela mesma diga da sua experiência. "Era um cotidiano que aguçava os cinco sentidos e, cedo, o tátil encontrou uma ferramenta: o lápis. Um só não. Muitos! E de cores. Dos desenhinhos nas folhas do caderno da pré-escola veio o incentivo à arte dado pela família e pelos professores. Com dezoito anos entrei no edifício antigo da Belas Artes em Curitiba. Queria ser pintora!

 

Há vinte e oito anos estou pintando em Curitiba. Tenho uma rotina de trabalho de seis à oito horas em meu atelier no bairro Santa Quitéria. A cor é meu estudo permanente, seja na pintura figurativa, nas abstrações ou em colagens nas ilustrações infantis - um de meus projetos mais recentes. Em Curitiba trabalho, mas meu olhar zanza por várias direções geográficas, enviando meus trabalhos. Nestes últimos três anos às vezes abandono a pintura e me entrego ao desenho e à pesquisa com refugos de porcelanas.

 

É que enquanto produzo penso muito sobre a arte, a existência humana e seus contrastes, a falta de apoio ao artista e ao educador e adentro numa natureza oposta à de minha infância. É uma floresta de seres e ideias em brancos, cinzas e pretos.

 

Em alguns períodos tenho a placidez de uma 'Monalisa', como o João Henrique Le Senechal me retratou, e em outros estou mais para a 'A Mulher Chorando', de Picasso. A arte me permite transitar com liberdade entre diferentes mundos." Essa é Leila Alberti, por ela mesma.

 

Fabio Campana e Leila Alberti

Revista Ideias 2012

 

 

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Coisas de Alice, Giovana e Leila.

 

De início, uma dúvida se abate: o que se vê seduz ou repugna? A ambiguidade suscitada pelas peças que implicam e manifestam os universos de Alice, Giovana e Leila, no entanto, não impede a percepção de que se está diante da emergência de conteúdos do inconsciente materializados em forma de porcelanas enredadas. E isto se configura como um apelo irrecusável ao olhar e aos jogos associativos.

 

Como expurgos que são retirados de dentro de artefatos em rituais de desobsessão, as imagens e criaturas relacionadas ao mundo onírico de Alice, pouco a pouco, ganham forma e tornam-se inteligíveis nas porcelanas- desconcerto. Mas a estranha força oriunda desses expurgos não pertence às planícies do consciente e parece se recusar a abandonar os corpos de que deseja fazer parte. Assim eles surgem, orgânica e desordenadamente, alastram-se, estrangulam, impedem os orifícios de realizarem as necessárias trocas dos corpos com o meio.

Aqui, as porcelanas, produtos da razão técnica, são impedidas de cumprirem sua função devido aos atos obsessivos das artistas. Sua brancura asséptica é maculada pela profusão de cores dos fios retorcidos. Os diferentes calibres e naturezas dos fios emaranhados percorrem os corpos como exoesqueletos. O avesso transmuta-se, como vísceras que se instalam na pele alva e curvilínea da louça. Não há perspectivas nem caminhos seguros ao se tentar seguir as múltiplas e erráticas trajetórias das meadas narrativas, porque assim como acontece com Alice em seu território fabuloso, a lógica subjacente é apenas tangenciada, esconde-se abaixo das superfícies, e não está imediatamente disponível à racionalidade.

 

Como mutações genéticas causadas pelas assemblages de Giovana e Leila, inocentes animais eclodem como excrescências nos utilitários. Um bestiário relacionado a atos psíquicos que não revela facilmente os significados mais profundos, encerrados em sua aparição. Contudo, segundo Michel Maffesoli, se se quer revolver as profundezas das relações entre indivíduo e sociedade, a aparência e as formas das coisas apresentam-se como importantes ferramentas conceituais.

 

Flertando com o kitsch, com as junk sculptures, e com os desdobramentos e injunções do capitalismo, o trabalho escapa dos reducionismos justamente por se localizar na zona de penumbra que mistura o desejo e a morte, o belo e o repulsivo, o dito e o interdito, o genuíno e o artifício. Atualizando as coisas de Alice e seu mundo invertido no espelho, a poética das artistas alude às práticas ancestrais referentes aos regimes do feminino e aos códigos naturalizados das sociabilidades. Analogamente ao trabalho de Lewis Carroll, as coisas de Giovana e Leila denunciam, por meio de metáforas visuais, que determinadas morais ainda remanescem na contemporaneidade.

 

Tânia Bloomfield

Professora de Educação Artística e Artes Visuais UFPR

2013

 

 

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Na série de Objetos de Leila Alberti o vaso é o mais inquietante, o que me fez olhar e pensar por mais tempo. Vejo uma relação de pureza no branco, nas alças que parecem asas, no vaso que retém. Forma que seria simétrica, destinada a sua função de guardar, de conter, mas que é quebrada pela forma escura, que imprime outra forma, outro elemento que ao tentar conter um vazio, um buraco, fundi-lo com outra matéria, não o veda totalmente, pois são incompatíveis. Um conflito velado, uma perturbação posta por alguém (associo o bastão a alguém que o usa) a algo.

 

Sonia Vasconcellos

Professora de Artes Visuais UNESPAR/FAP

inverno de 2016

 

 

 

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